quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Los Quatro Guapos



Havíamos comprado nosso primeiro videocassete naquele ano e só havia uma locadora no bairro. Então, todo sábado tínhamos de esperar e rezar para que nosso pai não bebesse para poder ir com a gente alugar filmes e isso era o máximo (pense!).

Eu me lembro daquela noite de 1993. Novembro ou dezembro, acho. Eu lia um gibi do Capitão América na calçada e estava ansioso para nosso programa de fim de semana preferido : alugar filmes na locadora. Na verdade,era o único programa possível naquela época de total dependência do dinheiro dos meus pais! No meu bairro sempre foi pobre em diversões para garotos da minha idade que gostavam de quadrinhos, ficção científica e não se misturava com aqueles outros meninos que diziam nomes feios e batiam uns nos outros.

Nesse dia, eu perturbei meu pai para que fôssemos logo, mas ele disse que só iria após o In Concert. Os in concert´s eram programas de uma rádio, não lembro qual, em que eles apresentavam, por uma hora ininterrupta, músicas de determinado artista. Como não tinha outra alternativa, sentei com meu gibi e esperei. Quando o programa começou, meu pai correu e pegou uma fita k7 para gravar. À primeira música, no auge dos meus nove anos de idade, fiquei completamente rendido.

Pra quem não lembra ou nunca viu: esta é uma fita k7.Que sausdade...

Eu já sabia que eram os Beatles, já os vira na TV antes, mas aquele era meu primeiro contato formal, a primeira vez que ouvia sua músicas na íntegra, prestando total atenção. Eu não sabia nada de inglês, mas as melodias me tomaram de completo. O som carismático, contagiante, me fazia querer mais e mais e cada música me surpreendia. Acho que eu já ouvia alguma coisa de Legião nessa época, mas não tinha para mim a importância que teria dois anos depois. Portanto, acredito que os Beatles tenham sido meu primeiro contato com o rock de verdade.


 A fita do in concert que meu pai gravou foi naturalmente usurpada por mim. Ela ficava na minha mesa, junto com meus livros e meus gibis. Eu ouvia todo santo dia. Acabei buscando outras coisas deles, mas sem as facilidades da internet, só podia mesmo era esperar por mais programas como aquele para que pudesse gravar outras músicas, o que de fato aconteceu. Em menos de três meses eu tinha umas três fita com quase todas as músicas dos Beatles até o álbum Revolver. Portanto eu só conhecia a primeira fase deles, o que aqui no Brasil se poderia chamar de época do “iê, ê, iê” (quem será que inventou essa expressão ridícula?).

A segunda porrada beatlemaníaca aconteceu no ano seguinte. Na extinta rede manchete exibiram um especial com várias apresentações e videoclips dos quatro fantásticos, com um breve histórico. Aquilo foi um choque. Foi quando me dei conta de que os caras seguiram uma evolução musical e conceitual e se tornaram influência importante na cultura pop. Foi quando tive um vislumbre da magnitude do fenômeno Beatles. Tinha uma apresentação de “Hello, Goodbye”, de “Let it Be” e de “All You Need is Love”, que me parece ter sido uma das primeiras transmissões via satélite da história. Vê-los completamente diferentes, com uma outra sonoridade, mais complexa, mais instigante e misteriosa, aquilo mudou minha visão em muitos aspectos. De certa forma me fez ver que existe um monte de coisas incríveis a se descobrir, coisas que vão muito além daquilo que nos é oferecido. Coisas que nós devemos buscar descobrir por conta própria.


 Por volta de 97, a Globo exibiu um mega-documentário chamado “Anthology”, onde toda a carreira deles era devassada minuciosamente. Foi aí que vi o quanto de genialidade existia em suas visões, o quão revolucionários foram para o rock, mas também o quão humanos, portanto falhos, eles eram. Fiquei sabendo sobre a Apple, sobre a amizade de Lennon e McCartney, sobre o que significava a frase “O sonho acabou” e sobre um monte de detalhes sobre músicas pelas quais eu sempre fui apaixonado como “Strawberry Fields”, “Peny Lane” e “Sargent Peppers”. Sobre o Maharish e a lendária apresentação no telhado da gravadora Apple conhecida como “rooftop concert”, a última apresentação ao vivo dos caras , em Londres.

O Rooftop Concert

 Em 2000 foi um documentário em vídeo narrado por Malcolm McDowell ( o Alex, de Laranja Mecânica)bem menos detalhista que o Anthology. Foi nesse filme que entendi a influência de Yoko. Embora todos atribuam uma grande parcela de culpa a ela pelo fim dos Beatles, tudo o que vi e li até agora a respeito me levam a acreditar que essa idéia é um tanto exagerada.


John e Yoko por Annie Leibovitz


Todos esses contatos com os quatro rapazes de Liverpool são agora lembrados como algo mágico. Os Beatles marcaram minha vida não só por terem sido o máximo, uma grande banda, mas por muitos outros motivos. Comecei a ouvi-los quando era criança, eles despertaram em mim um interesse musical que jamais me abandonou, mas a sua história incrível e a genialidade contida nas mensagens e na simplicidade com que falavam de coisas extremamente difíceis de discutir, tais como amor, felicidade, morte e guerra, já possuem tanta relevância histórica quanto os hieróglifos egípcios e a bomba atômica.







sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

V DE VIOLÊNCIA



Nos dois últimos posts eu me referi a um monte de coisas que até agora estão me incomodando pra caramba e tive duas respostas nos comments, uma bem diferente da outra. Mas ambas me tocaram muito, pois partiram de pessoas que me fizeram sentir que realmente entenderam minhas aflições.

A Adorável desconhecida (rsrs) Fernanda acha que a felicidade não precisa ser fácil (como de fato não é!). Acredito que isso faça sentido na medida em que só damos valor àquilo que nos custa esforço e tempo para conquistar. E o meu querido amigo semi-presencial Don Carlos acha que a felicidade deveria sim ser fácil. Isso faz sentido na medida em que entendemos a felicidade como um direito do ser humano que deveria vir no kit de sobrevivência imediata, junto com o leite materno e o oxigênio.

Falei sobre máscaras, adaptações cruéis à realidade, lobisomens e tudo isso tem a ver com o fato de que é muito mais fácil nos entregarmos às condições impostas pela sociedade do que nos revoltarmos contra o que está contra nós, o que nos coloca na obrigação de nos tornarmos pessoas completamente diferentes do que gostaríamos. Você já pensou se você é a exata pessoa que gostaria de ser?

Como eu havia dito, reprimir nossas vontades, nossas aspirações pela verdadeira felicidade tendo de “adaptar” (detesto essa palavra, Darwin...) nossa personalidade às condições provoca uma certa dicotomia na alma, empurrando partes importantes do nosso eu para dentro de lugares obscuros da mente. Eu sempre (assim como Alan Moore...) imagino um prisioneiro dentro de uma cela esperando o momento certo de vingar-se dos seus algozes. O que não dá mesmo para imaginar é como será essa “vendeta”. Certamente dependerá de como a pessoa encara as adversidades, de como ela alimentou as aspirações do prisioneiro. Pois anteontem um cara chamado Clay Duke nos deu um exemplo de como essa libertação pode ser violenta.

Ex-presidiário, desesperado após a demissão da esposa, pegou uma arma e calmamente se dirigiu ao colégio em que ela trabalhava e invadiu uma reunião de conselho mandando todos saírem, exceto aqueles que considerava responsáveis pela demissão. Com um spray pintou na parede o famoso “V” com um círculo em referência ao misterioso personagem da graphic novel de Alan Moore, mais conhecida pelo grande público pela adaptação de 2006 para o cinema.



 
Clay disparou algumas vezes contra as pessoas, quase foi contido,levou um tiro na perna disparado por um segurança. Encurralado, matou-se. Obviamente a intenção de Clay não era a de matar ninguém. As balas que disparou contra as pessoas eram de festim, enquanto a que o matou era a única verdadeira. Clay não queria matar. Muito menos morrer. Ele morreu justamente porque queria viver. Ele viu tudo o que estamos vendo agora, percebeu que estamos fingindo agüentar o fato de que precisamos de tempo, espaço e oportunidades para crescer em paz.Ele queria crescer, coisa que a sociedade cobrou dele, mas não lhe deu chance para fazê-lo. Sei que parece sensacionalismo, mas o que vejo aqui é que o homem usou suas últimas forças para nos dar um importante alerta a respeito do lugar para onde estamos indo. Ele só explicitou o que acontece todos os dias o dia todo. A face violenta da civilização emerge a cada dia das mentes das pessoas sufocadas.

E eu achava que a revolução se daria no momento em que puséssemos as máscaras, tal como V,no filme e nos quadrinhos. Mas Clay Duke me fez ver que a coisa toda irá acontecer quando as tirarmos.