quarta-feira, 26 de novembro de 2014

PRESENTE IMPERFEITO

Arte por Geoges Méliès

"Acredite na  urgência resoluta do agora." - Tonight, Tonight, Smashing Pumpkins


Sempre penso que se alguém olha para o céu na noite, ao mesmo tempo em que você, isso é uma forma de estar junto.
Ainda costumo sair de madrugada e olhar naquela direção. Porque um dia, como tantas coisas que o amor provoca, quis ver a única luz da noite encontrar a única luz da esperança. Duas belezas que colidem como no nascimento das fadas. Pro coração bater mais forte. Vício de errar no desejo.
As estrelas? Quem disse que elas brilham? Aquilo não é brilho. São só olhos de testemunhas. Sonsas. Elas vigiam lá de cima o jeito como o amor nasce, cresce, se machuca, e cresce mais, e se machuca mais, e cresce mais e...
...é só isso que o amor faz da vida. Da nossa vida. Parece que o amor só faz doer. Leva a gente de um canto pra outro, ora caminhando pro abismo. Mas só parece. Outra coisa ele faz.
Transforma. Vira coisa linda dentro de nós. Vira força. Ás vezes uma força triste. E nem sempre “triste” quer dizer “ruim”. Às vezes triste é só saudade. Ás vezes é só vontade. Ás vezes é ferida sarando, decepção se apagando, novo tempo chegando.
Mas, no mais das vezes, amor é abraço, cheiro bom de cabelo lavado. É beijo. É abraço, calor, dormir junto. É brigar sabendo que o outro perdoa. É derrubar, sabendo que, se cair, a gente voa. É música. Texto, desenho e cor. Rir, beber, comer.
Parece que amor é só fazer. Vai ver que é. Mas não fazer direito. É um fazer imperfeito, senão, inexiste. Amor perfeito é mais que triste. O amor tem que ser sujo e cego pra prestar.
Hoje estavam lá, as estrelas sonsinhas, rindo da minha cara. Nem liguei. Luz da noite, luz da esperança. Esse brilho existe, que eu o veja ou que não. Hoje é dia de brilhar mais forte. Daqui calado, debaixo da lua tímida e cansada, juntei meus caquinhos de bem-querer e pedi, mais forte que qualquer vento e vontade, que seu presente lhe chegasse às mãos: Amor imperfeito assim. Cego, sujo e verdadeiro. Amor de gente feliz.






sexta-feira, 5 de setembro de 2014

DELICADA FLOR DE SONHO

Art by Sophie Blackall


Os sonhos de outras pessoas também são assim? Cenários misturados, pessoas desencontradas sob um céu positivamente escuro...



Ele corre contra o tempo. As ansiedades do mundo desperto geram cenas frenéticas, mas a pressa não é para os outros. É para si. Terminou um dia de trabalho e o coração bate forte. Alguém espera. Um passo e já está lá. É um cinema. Gigantesco. Muitas pessoas. Ele entra na sala, o filme já terminou. Não importa, foi o que combinaram. Ela estaria lá, à espera.
Apenas pôs os pés além da cortina e as luzes se acenderam. Muita gente andando, falando, saindo.
Seu olhar, do alto do auditório procura um rosto que deve brilhar entre mil. O coração bate forte. É medo de não encontra-la. Ou de encontra-la. Namoram há poucos dias e tudo é tão recente, repentino e delicado...
O sentimento que ele deseja no olhar dela é uma florzinha, das mais pequeninas e mimosas. Daquelas que a gente torce pra nunca murchar. Rega, beija e faz carinho. Aprende até a rezar. Tão frágil, raro. Perfumado. Ainda está lá? Terei de pedir um beijo ou vou ganha-lo? Mereço?
A gente dali foi rareando. O olhar dele esquadrinhava todo o lugar. Parou nela de pé, lá embaixo. Os olhos também procuravam. Por ele. Ai, coração pequeno! Quase para. Está lá. A florzinha viva. Muito mais que viva. Mágica e linda. Ela sobe o auditório com um sorriso matador. Não pare, coração. Precisa acontecer um beijo. Está aqui ela, chegou bem perto. Os braços o envolveram. Os lábios o tocaram. Chame o Guiness: novo recorde mundial de felicidade.
Meninos sonham assim.
A noite acaba, hora de acordar. A florzinha, o sentimento, vira segredo de alma. Paixão não o descreve. Amor é grande demais. Deixa sem nome. Sente só, que era mesmo florzinha que morreu. Ele a põe amassadinha dentro das páginas de um livro. Um dia vai contar pra alguém que sentiu tudo de novo.


Nas noites por vir, abre o livro. O coração se permite querer que em algum lugar, uma moça tenha sonhado com alguém depois de um filme, aparecendo na multidão a se perguntar: “Ainda está lá?”.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

TESTEMUNHAS DO MAGNÍFICO

Art by Jim Daly?


Noite passada, quis algo bom para reger meu sono. Não lembro o que sonhei. Mas confio na precisão dos meus desejos, porque na manhã de hoje tive coisas para fazer: nenhuma a ver com trabalho. Eu deveria estar triste, mas mentir assim não funciona.
Nesse estado eu saio e assumo as tarefas.
Pequenos eventos que só acontecem na mente de alguém lisergicamente feliz, eles pipocam de lado a lado da cidade. Como gnomos espreitando nas esquinas, passando correndo nas pontas dos pés, caçoando dos “despreocupamentos“.
Autoridades afirmam que isso não é felicidade. Mas há controvérsias.
Dinheiro alimenta máquinas. Também alimenta aquelas máculas fosforescentes que as religiões chamam de pecado. Faz isso silenciosamente por dentro, escandalosamente por fora. Minha saúde e a dos meus, o livro em minhas mãos, as ideias na mente, respirar normal e ver tardes incríveis podem ser um pequeno momento e para vivê-lo não adianta dinheiro. Pois é disso que tenho fome, não sou máquina. E ninguém jamais precisará competir comigo.
Hoje quero uma tigela de cochichos sobre uma nova história sendo escrita. Uma fatia de alguém ouvindo R.E.M. no ônibus. Três copos de crianças inventando letras poéticas enquanto soltam pipa na rua e de sobremesa uma belíssima e finamente adornada taça de risadas com meu melhor amigo, seja lá quem ele for hoje.
Neste mundo a esperança é uma gordice. Uma deliciosa infração. Somente satisfeitos, com as mãos lotadas de delito, é que enxergamos cúmplices. E os grandes feitores da Civilização não passam de tolas, ansiosas e famintas testemunhas do magnífico.