segunda-feira, 24 de junho de 2013

O CAMINHO SUAVE

Art by John Whalley


re.si.li.ên.cia 

sf (ingl resilience) 1 Ato de retorno de mola; elasticidade. 2 Ato de recuar (arma de fogo); coice. 3 Poder de recuperação. 4 Trabalho necessário para deformar um corpo até seu limite elástico.


Dizem que no pior momento, agradecer o que se tem ajuda a vencer a adversidade.
Muitas pessoas recorrem a isso. Conheço algumas. Funciona para elas, mas confesso que até agora não tentei de verdade. Minhas estratégias de resistência não são lá das melhores. Se houver guerra, não me chame para estar sobre os mapas. Prefiro ser um kamikaze. Isso não é nada esperto, mas é o que eu tenho por enquanto.
É difícil pensar quando se está no olho do furacão. A gente só pensa em fugir, em se proteger até tudo passar. Quando as coisas estão bem ruins só vem à minha mente os ensinamentos do mestre Jigoro Kano sobre os galhos mais flexíveis serem os mais resistentes. Talvez um dia eu entenda isso com o coração. Enquanto isso eu ensaio um movimento suave, como se a serenidade fosse uma arte marcial. Estou ficando velho. Um dia vou ter que aprender a fazer isso direito. E estes são meus canhestros primeiros golpes
Agradeço pela minha filha ter o sorriso desdentado mais lindo do Universo. Agradeço por minha esposa ter o sorriso dentado mais lindo do Universo. Agradeço pela risada da minha mãe ser um trovão. Agradeço por Morrissey e Dylan estarem vivos e bem. Agradeço por ter uma amiga que faz Cinema. Que droga, agradeço por todos os filhos da mãe que são meus amigos. Agradeço por meus inimigos conhecerem muitas fraquezas minhas, mas não fazerem a mínima ideia de qual é a maior delas.
Agradeço por um pequeno terreno em um planeta distante onde acredito ser um bom rei.
Agradeço por ser capaz de juntar uma palavra com a outra e dizer algo que pode ou não ser eterno. A possibilidade de que seja é o meu combustível. Se é pequena ou grande, foda-se. Eu amo isso.
Agradeço pelas pessoas que me enchem o saco de verdade sempre perceberem que estou prestes a lhes meter a mão na fuça. Eu jamais faria isso, sou contra violência. Mas eles não sabem.
Agradeço pelo Superman ter finalmente derrotado o Apocalipse. Até aquela versão inteligente que o Darkside criou dele lá pelo número 43.
Agradeço por ter uma ideia de Deus que nem a minha religião, nem a sua, nem ninguém consegue abalar. E mesmo quando eu mesmo ponho em xeque essa ideia, alguma coisa acontece e me faz acreditar mais ainda.
Não sei se funcionou.
Foi um alívio rápido certamente. Como dizem os otimistas, há sempre o que agradecer. Eu não faço parte deles ainda, mas tenho de admitir que, pelo menos nisso, eles tem razão. Se vai resolver meus problemas isso não dá pra dizer agora. Mas vai ajudar muito se eu puder finalizar isso assim...
“Agradeço por você estar se sentindo bem neste exato momento.”



es.pe.ran.ça 
sf (de esperar) 1 Ato de esperar. 2 Expectativa na aquisição de um bem que se deseja. 3 Aquilo que se espera, desejando. 4 A segunda das três virtudes teologais, simbolizada por uma âncora ou pela cor verde. 5 Entom Nome comum a vários gafanhotos, da família dos Tetigonídeos, os quais possuem asas anteriores verdes, antenas setáceas, geralmente muito mais longas que o corpo. Apresentam o fenômeno do mimetismo. Antôn (acepção 1): desespero. E. em verde:esperanças de realização duvidosa. Andar ou estar de esperanças: estar no período da gravidez. Dar esperanças: a) incentivar as aspirações de alguém; b) dar mostras de vir a ser distinto em alguma coisa.
(Dicionário Michaelis On Line)

segunda-feira, 17 de junho de 2013

EU NÃO ESTOU LÁ...


Isto não deveria ser tão pessoal. Mas não há mais gritos a serem dados além deste, porque eu mudei de luta há tempos. De qualquer forma, por isso mesmo este é um grito no vácuo, como tantos outros. Ou uma mensagem numa garrafa atirada ao mar...
Em algum lugar mais ou menos distante eles estão nas ruas. Estão apaixonados pela causa, talvez não a deem um nome, mas é uma causa. Eles estão lá por mim também. Pela minha esposa, por minha filha e por minha mãe. Eu vejo tudo em silêncio. As mentiras e verdades escolhidas para vermos e engolirmos, mas o sentido de tudo, aquele que tentei negar por tanto tempo, está lá e consigo enxerga-lo claramente. Sonhei muito com este dia. Amei os momentos em que passei a idealizar esta época sem imaginar que não iria participar de nada. Talvez tudo tenha sido tão bonito justamente por eu achar que seria impossível.
Mas eles estão lá. Como sempre estiveram. Só que agora são muitos. Do jeito que pensei. Flores erguidas diante de escudos, o gesto de sentar e negar-se a agredir quem lhe agride. E também aqueles que atiram pedras e bombas. Coisas voam pelo ar, atingem carne e machucam. O calor da guerra, uma avenida, princípios esquecidos, princípios lembrados, valores mantidos.
Meu coração diz que nada muda como nunca mudou. Cresceu em mim uma ideia de que a única mudança é interior e o único grupo revolucionário capaz de causar verdadeiras transformações é a família. Mas, que droga, isso tudo precisa acontecer. Mesmo que no fim eu apenas desligue a TV e vá dormir.
Os meus passos marcam uma dança desconhecida, um caminho que não deixa de ser perigoso por eu não estar lá. E sinto como se tivesse ajudado a começar o distúrbio, como se fosse inimigo daqueles que um dia quis ajudar, pois tenho um pressentimento muito vivo de que vai crescer até chegar a mim. E os meus passos irão desviar a trilha para evitar ver o que vai ser então? 

Parece que uma nova história começou a ser escrita. Talvez meus pensamentos sejam sementes, talvez sejam uma chave. Ainda são somente imagens e estou no meio daqueles que fingem não ver as nuvens no horizonte. E enquanto o colosso se move eu me divido. Uma faca atravessa meu coração e me machuca profundamente, pois em sua lâmina há algo escrito que se espalha pelo sangue como um veneno: “Eu não estou lá”. 

segunda-feira, 10 de junho de 2013

O DESAFIO DA AUSÊNCIA

By Audrey Heller

Caminhamos anônimos. Aceitando que tudo é um organismo e fazemos parte dele. E as coisas vão simplesmente funcionando. Até perdermos o sentido do que somos e isso é mais do que natural. É um vício.
E pode ser que chegue o dia de ensaiar o modo como será a vida sem você. É como tirar o uniforme para sair de cena devagarinho, sem ninguém perceber e daí fingir que foi embora. Sem ir. Esconder-se atrás de uma árvore, de um poste e espiar a vida de todo mundo seguindo, a jeito delas tentarem ser felizes, o mesmo jeito que você estava usando antes e não estava funcionando muito bem.
Fiquei muito doente semana passada e tive de me ausentar dos lugares que frequento todos os dias, embora tenha me visto obrigado a trabalhar mesmo debilitado. Creio que a grande maioria das pessoas com quem cruzo sequer notou que eu não estava lá. Mas duas figuras me surpreenderam em meu retorno.
A primeira foi a garçonete do restaurante em que eu como.  Ela nunca sequer olhou pra mim e mal me atendia. Mas quando voltei ela passou parar e comentar sobre os livros que deixo sobre a mesa enquanto almoço.
A outra foi o senhor que sempre fica descansando no banco da praça onde leio no período de almoço. Ele também trabalha ali por perto e era outro que jamais imaginara um dia ter me notado. Nesse mesmo dia do meu retorno, enquanto folheava o livro para achar a o ponto em que havia parado, ouvi-o cochichar com seu colega: “Taí ele, pensei que não vinha mais”. E era sobre mim.
E foi assim que descobri que não sou o único a observar as pessoas. Que de alguma forma a paisagem precisa de você para manter uma certa aura. Uma característica ímpar, um elemento que faz o sentido do momento permanecer. Não se trata de importância, de ser especial. Se você um dia for arrebatado e deixar a existência, a Terra não vai parar de girar e as pessoas não vão se jogar de pontes.

Mas é muito bom pensar que sem você as coisas ficam pelo menos um pouquinho fora do lugar.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

OS NOMES DOS DIAS

Two Souls - Eddie Calz
Movimento rápido dos olhos. Sonhar.
Coisas acontecendo lá dentro de sua mente. Você mexe com as mais genuínas manifestações de magia.
Quando um bebê sonha, sorri. A gente fica imaginando o que de tão especial alguém com dias de vida tem para sonhar e se encantar tanto. Ele vê coisas de um mundo além do nosso. De onde ele veio, pouco tempo antes, quando conversava com anjos. Diante de anjos, quem não sorri?
Muitos especulam a respeito do significado dos sonhos. Mas para mim o sonho é só isso. Pura e simples magia. Os sonhos são absurdos, caóticos e reais.
Amo cada sonho que tenho. Mesmo os ruins. Alguns se repetem tanto que se tornaram de estimação para mim. Tem aquele em que sou perseguido pelo terrível Radu. Também aquele em que ando por um caminho deserto e o céu é laranja. Em certo ponto sou acompanhado por um pássaro que me convida a voar com ele e em pleno voo percebo ter estado sobre o corpo de um homem gigantesco que flutua no infinito. E aquele em que chego numa casinha linda com um jardim. Vejo um vira-lata saindo de lá de dentro e é Duque, meu cachorro, morto há muito tempo. Então minha vó sai de lá. Ela também está viva e bem. E me diz que se eu quiser posso morar lá com ela pra sempre. Esse eu quase não tenho mais.
Mas o que eu mais gosto é quando acordo no meio de um sonho incrível e ele fica impregnado em mim como uma fragrância. Naquele dia e nos seguintes vou carregando comigo pensamentos e sensações impossíveis de compartilhar, coisas minhas que vibram com uma aura cínica.

Quando isso acontece, os dias mudam de nome. Ganham o nome daquilo ou daqueles com quem sonhei. E esse jogo de xadrez que todo mundo chama de vida às vezes faz movimentos tão parecidos com os que acontecem lá que às vezes me pergunto se o sono é a única coisa que separa um mundo do outro.