terça-feira, 13 de abril de 2010

A DO VIZINHO É SEMPRE MAIS VERDE...



Ontem fui buscar minha esposa no curso à noite. Havia chovido um pouquinho, eu tinha acabado de assistir “Janela Indiscreta” do Hitchcock.

A avenida estava toda banhada de um brilho calmo e delicado. O vento estava frio e o clima dava uma impressão gostosa de que as coisas estavam rolando em câmera lenta.

Quando eu passava perto de um condomínio, percebi que no terceiro andar havia um jovem senhor deitado numa rede na sacada de seu apartamento lendo um livro. Não me lembro de ter visto muitas coisas na vida de outras pessoas que tenham me transmitido tanta paz e isso pode ter a ver com minha tremenda fixação por imagens de pessoas lendo. O fato é que aquilo me encheu de uma maravilhosa inveja.

E pensei: “Deus o abençoe, meu bom homem. Você tem a grama mais verde que vi em semanas.”

sábado, 10 de abril de 2010

EU DANÇO SOZINHO

                                   
Quando fico em casa pela manhã me sinto extremamente sozinho. Minha esposa trabalha até ás 15 horas e nesses dias de folga não consigo imaginar como alguém que planeja tanto seus momentos de lazer pode ficar tão perdido com o pouco e precioso tempo que tem pra ficar sem fazer nada de “importante”.

Quando estou atolado de trabalho e cheio de coisas da faculdade pra fazer fico só pensando nos filmes que tenho pra assistir, nas minhas revistas em quadrinhos que estão na gaveta ainda no plástico, nos livros que comprei ou que peguei na biblioteca, nas idéias para histórias de terror que eu gostaria de escrever. Mas na hora não vem nada, é como se minha mente ficasse vazia e nada disso existisse em minha vida.

Quando tento refletir sobre as causas desse estranho fenômeno concluo parcialmente que a presença da minha mulher é tão importante em casa que quando ela não está eu perco um pouco o sentido de fazer qualquer coisa (aposto que se você é uma menina que está me lendo pensou:”que bunitim...”, mas é precisamente isso, mais constatação que romantismo mesmo, embora ele exista em intensidade considerável, você ficaria surpresa, mas enfim...).

Então, acontece aquela coisa incrível de você se deixar levar pelo tédio. Nem sempre sai muito o que preste disso (meu caso) mas quando você passa a se observar, percebe que existem certos aspectos da sua própria personalidade que provavelmente jamais alguém conhecerá (e isso deve ser um daqueles mecanismos de defesa identificados por Anna Freud, sei lá...a gente esconde por puro instinto de sobrevivência). Posso citar alguns meus porque se você me conhece sabe que sou desajeitado e pagar um mico a mais ou a menos não fará diferença. Por exemplo, quando eu vou me enxugar depois do banho, sempre uso a mesma sequência. Quando estou lavando os pratos a noite, às vezes fico muito, mas muito tempo mesmo olhando pro céu (a nossa pia é no quintal, precisa ver como é difícil fazer isso quando está chovendo. Não é nada agradável). Aí fico olhando a imensidão e imagino que estou naquela estação espacial do filme “2001” do Kubrick, mas sem o computador assassino, claro.

Outra coisa que só faço sozinho é ficar olhando meus livros durante HORAS. Não sei, mas eles estarem lá é como se os escritores morassem comigo. Eu amo meus livros de paixão. Quando os observo lá arrumadinhos, minha mente voa tanto quanto ao lê-los. Fico só imaginando como era a vida do Kafka, penso que ele devia ser um cara bem desastrado e inseguro como eu, brigando consigo mesmo o tempo todo. Tenho um carinho muito grande pela figura desse cara. Aí tem aqueles mais pomposos como Goethe. O cara fez parte dos Illuminati, meu. Isso é que é ter uma vida incrível. E tome tempo eu olhando pros livros. Ficar assim, lesado com as coisas, é o que mais me caracteriza.


Mas o mais louco é esse. Geralmente, quando ficar sozinho começa a me angustiar e vejo que vou passar a manhã sem fazer nada de interessante pelo menos pra mim e a hora de ir pra faculdade já está chegando, quase sempre resolvo meu problema assim: vou na minha mesa, abro minha bolsa e pego meu pen drive. Como já estou lá mesmo, aproveito e pego uns cd´s que não ouço há tempos. Ligo o sonzinho e meto um Clash, Ramones, Sex Pistols ou mesmo uns hard tipo Hendrix ou Zeppelin. Mas tem dias que um Chuck Berry basta a manhã toda. Dependendo do grau de intimismo em que eu esteja pode rolar Smiths, The Cure ou Radiohead. Bem, não importa o que esteja rolando, eu danço sozinho mesmo. ..e canto...


Claro que é extremamente tosco, mas talvez no final das contas tudo esteja lá pra despertar ações espontâneas do corpo e o que flui naturalmente, desconcertante, cafona ou que for, é sempre o mais adequado. E é claro que existem muito mais coisas que eu só faço sozinho. Mas a grande viagem é que esse tipo de pequenos comportamentos integralmente individuais, não compartilhados até mesmo com os mais íntimos, são sinais que podem nos fazer pensar que podemos há coisas que o tempo, as circunstâncias e as pressões da vida adulta jamais irão tirar de nós.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

DESINTEGRANDO VIZINHOS CHATOS

EXTRAÍDO DO MEU DIÁRIO ESCRITO NO DIA 21/03

Hoje resolvi dar um jeito na coisa. Como acontece todo final de semana, meus vizinhos imbecis acordam cedo. Muito cedo. Ligam o som no último volume e assim vai embora um dia inteiro de descanso.
É incrível como eles conseguem ser primitivos o bastante para não entenderem princípios tão elementares da vida em sociedade. Como por exemplo, aquele que diz que finais de semana (e especialmente domingos) são dias feitos para que pessoas que acordam cedo todos os outros dias possam dormir tranqüilos, sem ter de se preocupar com despertadores e outras coisas barulhentas e irritantes. Que é sinal de muita sensatez e decoro manter certo nível de silêncio para que essas pessoas que trabalham duro e ganham pouco, pelo menos até as dez da manhã, possam compensar o sono acumulado da semana atribulada na qual se acorda cedo e dorme tarde.
No entanto, meus vizinhos, as mais irritantes das coisas barulhentas e irritantes, ignoram esse princípio que me é tão caro (eles ignoram muitos outros também, mas esse é outro assunto). Eu nem acordo tão tarde assim no domingo, pois meu organismo já está condicionado à rotina, motivo pelo qual não consigo dormir bem após as seis da manhã. Pois é nesse momento que me levanto, abro minha janela e com um livro na mão vou tentar relaxar um pouco.
Tentar.
Mal o ponteiro marca sete da manhã e eles ligam o maldito som me obrigando a engolir aquela porcaria de brega, carimbo, sertanejo e o caralho a quatro....ughhhhhhgh, que raaaiva!!!!!!!
Bem...desculpe. Continuando. Pois hoje não foi diferente. Esperei toda a semana para ler uns trechinhos de “O Sol é Para Todos”, da Harper Lee, que tanto havia procurado em minha vida e acabei achando na segunda passada. Depois de dois minutos sentado enquanto perscrutava as páginas, a tortura explodiu como de hábito em ondas sonoras que fazem o bonequinho do Superman da minha mesa de trabalho pender de um lado para o outro.
A ansiedade chegou a níveis insuportáveis e não pude me conter. Como Michael Douglas em “Um Dia de Fúria”, resolvi hoje que ninguém vai se colocar entre mim e meus objetivos (nesse caso, o descanso) e decidi tomar a providência que havia evitado por tantos meses.
Larguei o livro sobre a mesa, fui ao quarto. Sem acordar minha esposa (como ela consegue dormir com aquele barulho ainda é um mistério da ciência!) puxei a caixa de aço que guardo embaixo da cama. Digitei o código de segurança e abri bem meu olho direito na frente do leitor de retina. Num click a caixa abriu e estava lá: O CANHÃO DESTABILIZADOR ATÔMICO. O mais temido artefato bélico secreto que veio parar em minhas mãos por meios que não posso revelar nem mesmo em meu diário, pois caso eu seja pegue pelas autoridades internacionais meus fornecedores não devem ser identificados.
Retirei cuidadosamente as peças e levei-as para sala onde montei a arma conhecida por todos como RAIO DA MORTE. Bufando de raiva, apertei o botão loading, abri a porta, atravessei o portão com meu querido brinquedo nas mãos e me dirigi à porta ao lado. Estava aberta. É incrível como esse povo primitivo ama a idéia de que todo mundo gosta ou é obrigado a agüentar as merdas que eles ouvem, arreganham suas portas e ficam em seus sofás, as cervejas e o tira-gosto no chão da sala e o som truando, pra aquele que passa ver o decadente espetáculo da degradação humana. Pois foi nessa cena que a destruição de verdade começou. O corpo batráquio do meu vizinho esparramado em sua poltrona exaltou-se ao perceber a arma em minhas mãos. Entrei como Schwarzeneger em Exterminador do Futuro 2 quando eles invadem a sede da Cyberdine. Os olhos arregalados pediam misericórdia. Mirei sem problemas no aparelho de som dele e disparei. As peças voaram na explosão. Sua voz anasalada, bem característica dos papudinhos da rua gritava: “Não!Não!Não”. Parado diante de sua deprimente figura, com um sorriso no canto da boca só consegui pensar em uma frase, tal minha inspiração naquele momento: “Hasta La vista...baby”. O disparo em sua direção, o clarão do raio, a sombra de seus ossos se desintegrando no ar e a mancha de pó no chão. Deleite. Puro, simples, verdadeiro deleite.

De dentro da casa, ouvi a voz esganiçada da mulher dele. Parecendo uma gralha gripada ela vinha com duas garrafas de cerveja na mão falando aos gritos (pessoas adeptas desse estilo de vida não só não têm noção do volume da música que ouvem como também não conseguem controlar a intensidade do som de suas próprias vozes e falam alto EM TODA E QUALQUER SITUAÇÃO): “Amoziiiiiiiiiim! O CD pirata arranhou de novo, foi?!”. Quando viu os resquícios do aparelho de som ainda soltando faíscas na estante e o monte de pó inútil que segundos atrás era um monte de carne inútil, largou no chão as garrafas e soltou um grito estridente que machucou profundamente meus tímpanos e me deixou momentaneamente desorientado ao que perdi a mira do meu segundo tiro e abri um gigantesco buraco em sua parede.
Ela tentou escapar correndo para dentro da casa. Fui em sua perseguição. Atravessei o corredor, sempre mantendo minha calma schwarzenegeriana olhando cuidadosamente cada cômodo. Como era previsto, encontrei minha caça em seu quarto. Tentou se esconder debaixo da cama...mas ficou entalada de tão gorda que era. Disparei o raio da morte na cama que ficou destruída, explodindo em pedaços. A mulher implorava por piedade, mas era impossível. A raiva que eu sentia por ter sido torturado tanto tempo tinha de ser executada e aquela era a minha chance de fazê-lo com estilo. Ela se debatia num pranto histérico. Fiz sinal de silêncio com o indicador nos lábios: “Psit!”, ao que ela paralisou-se imediatamente. “O sol é para todos”, eu disse com uma voz serena a La Clint Eastwood, “mas hoje, ele é só meu...” e desintegrei meu alvo com uma rajada de máxima energia do meu raio da morte deixando uma colossal mancha escura no chão.
Quando saí da casa, na rua havia dezenas de pessoas que se aglomeravam para ver o que estava acontecendo. Quando perceberam a arma em minha mão tiveram noção do perigo que corriam. “De hoje em diante”, bradei aos curiosos, “este será um lugar de paz e silêncio! Um lugar onde o cidadão poderá dormir sossegado aos domingos, ler durante a semana, assistir tranquilamente seus filmes preferidos sem ser importunado pelo som nauseabundo desse lixo que vocês chamam de música! Aquele que desobedecer minhas ordens terá sua ignóbil existência obliterada deste universo!”
Caminhei até minha casa, fechei a porta. Desmontei minha arma libertadora, minha Matriz da Liderança. Minha esposa ainda ressonava cândida no leito (como é que ela faz isso, meu Deus!) quando fechei a maleta e coloquei no lugar. Calmamente voltei à minha mesa, tomei o livro e li os trechos mais bonitos.
De repente, eu acordei, então no mundo real e não naquele sonho lindo que acabara de ter. O som ensurdecedor dos vizinhos malditos me acordou de novo. Caminho até a sala e vejo o Superman balançando de um lado para o outro. Alípio Martins canta “Lá Vai Ele Com a cabeça Enfeitada”. Triste realidade onde um homem acuado pela repressão cultural não pode comprar um canhão desestabilizador atômico no mercado negro...