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Art by Michael Marsicano |
O
sol é meu despertador e o dia é um filme surrealista.
Olho
pelas persianas e vejo seres estranhos que seguem para o trabalho sem se
perguntar aonde vão. Tenho medo de pôr o pé fora de casa e me tornar um deles.
Olho de cima da minha torre. Não sou uma sentinela. Só o sobrevivente de uma
guerra da qual me recuso a participar.
Lá
vai um gigante com o planeta nas costas. Ele não sabe, mas eu o admiro porque
mesmo com o peso ele sorri. É necessário força para carregar o mundo. Muito
mais para sorrir diante do sofrimento.
No sentido contrário vem um enorme sapo que
insulta os filhos e protege quem está fora. Dele eu não gosto, mas seus filhos
me fazem ver que a beleza surge do improvável.
Se
eu espero mais um pouco vejo um esqueleto milenar que conviveu com faraós. O
faraó morreu com tesouros em volta e os ossos daquele homem continuam sendo
ossos de um escravo.
Aqui
continuo a luta silenciosa. Vitórias e derrotas. O chamado pelo Eu do Futuro
para revelar os passos seguintes. A espera pelo Formidável Golpe de Sorte. Um
diálogo difícil com a solidão. Tento convencê-la de que não é necessária, de
que posso crescer sem ela. Peço que vá embora e ela insiste em ficar. Aí eu
saio.
Mas
não é assim que se joga. Cada dia que passa me convence mais de que não há uma
chave para o equilíbrio. Não há como saber o que devo ou não entregar para o
mundo. Penso nos amigos vividos em experiências, nos livros dos iluminados, até
nas mentiras dos poetas invisíveis. Ninguém terá as respostas. Precisarei
construí-las, forjá-las como Hefesto fazia como as armas de Aquiles em seu
imenso lar de lava.
Agora
é noite. Dorme o gigante. Descansa o sapo. Recolhe-se o esqueleto. Ainda estou
acordado com promessas e esperanças.