sábado, 23 de novembro de 2013

NO LIMBO

Art by Ben Zank


Jorge não sabia se estava vivo ou morto.
Só conseguia se ver num deserto e seus dois pés sobre uma faixa branca que vinha do infinito para trás e terminava no infinito para frente. De um lado da faixa, a dois passos, um prato de arroz. Do outro, a mais dois passos, um prato de feijão. Logo entendeu que cada alimento era um símbolo. Uma representação da vida e da morte.
Então lhe veio a ideia de que talvez aquele fosse o momento decisivo. Talvez tivesse sofrido algum acidente, ido parar num desafio etéreo e deveria optar. O que vai alimentar seu espírito a partir de agora?
Não fazia a mínima ideia. O tempo passava, seus pés amedrontados continuavam colados à faixa branca que os continha e os dois pratos esperavam a atitude definitiva.
Arroz é vida e feijão é morte? Ou o contrário?
Poderia passar a eternidade ali, mas daria na mesma. Por isso decidiu fazer o que não fizera durante toda sua existência: arriscar. E prometeu para si mesmo que se sua escolha representasse vida, passaria o resto dela envolvido com coisas que o satisfizessem tão plenamente que na próxima vez seu espírito não precisaria mais estar ali, envolvido com o solitário veredito, tomado de tormento com a certeza de que a missão não está ainda cumprida.
Fechou os olhos e sentiu um fino prazer outrora recusado veementemente. O prazer da dúvida.
Deu um salto e deliciou-se com uma maravilhosa poção... de arroz.


Este texto é resultado do exercício proposto por P.J. Brandão no último dia da oficina de storytelling do Vila das Artes. Crescimento verdadeiro e parte do “fino prazer”. O exercício consistia em criar uma pequena história em minutos, citando palavras escolhidas por livre associação e agrupadas aleatoriamente. As palavras que tive de usar foram: morte, arroz, feijão, etéreo.

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