“I kneel and wait in the silence/ As one by one people slip away/ Into
the night.”- THE HOLY HOUR, The Cure.
Quando
eu era pequeno, costumava ficar acordado até muito tarde. No meio da madrugada
eu abria as persianas e observava a rua.
Aparentemente
ela dormia junto com os cidadãos. Mas um olhar mais cuidadoso e um ouvido
atento descobriam, sob o ressonar da noite, a vida que se esgueira pelos
elementos da paisagem. Eu não sei exatamente o que eu esperava encontrar nessa
paisagem. O grey explorando nossa
Terra. O autor do crime perfeito. Ou simplesmente ver a noite transformar-se em
dia num sutil espetáculo de alquimia e ilusão.
Não
raro eu me assustava com a vida que a noite escondia. Começava minha atividade
como o observador sagaz do impossível. Mas minha coragem se esvaía ao fitar o
movimento soturno das árvores, ao ouvir passos que se abreviavam na esquina e
nunca revelavam o autor e vozes sussurrantes de amantes que eu não sabia se
eram deste mundo ou do além. E tinha sempre em algum momento a sensação que de
algum outro esconderijo, olhos mais perspicazes que os meus me adivinhavam. Talvez
os do terrível vampiro dos meus pesadelos.
Ao
longo dos anos, fui aprimorando meu olhar, resistindo ao medo das ocorrências
esdrúxulas da madrugada. Passei a sair do esconderijo. Tornei-me, por tempos,
personagem do show. Fui o dono dos passos misteriosos uma vez. Em outra eu fui
o amante. E numa outra ocasião a voz sussurrante foi a minha.
Hoje,
enquanto minha filha e minha esposa dormem, eu observo tudo de um lugar mais
alto.
Eu
contemplo telhados tristes de décadas áureas e admiro a chuva que os lava como
lágrimas de mãe. Ao longe os carros deixam uma alma sonora. Eu as guardo uma a
uma. Mais próximo, um chuveiro lava o corpo dele. Depois ela vai. O amor se
consumou. Mais aqui ao lado um gato franzino desliza pelos muros em busca de hor d’oeuvres em seu banquete
inexistente. E nas frestas das janelas, olhos iluminados como pirilampos correm
de um lado a outro como outrora eu fiz. Eu os adivinho.
Minha
própria sombra cresceu sobre o bairro de meus antepassados. Eu me apossei do
olvidado e prostrei-me diante dos detalhes. Esta noite eu perscruto o
perscrutador e o absorvo. Esta noite eu sou o vampiro...
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