Imagino
um homem sozinho em sua casinha no meio do nada. Sua vida é difícil. Ele espera
da terra. A terra espera do céu. A comida é pouca e a água também. Ele tem mãos
calejadas, mas fortes. Não há sinal de luxo e o que ele entende por governo é
apenas uma luta por dinheiro e poder que acontece bem longe dos seus olhos e
que não tem nada a ver com suas necessidades. Tudo o que ele tem se limita ao
que pode alcançar quando contempla o horizonte.
Algumas
pessoas vez por outra o vêm visitar. Elas são tão humildes quanto ele. A cidade
não é perto, mas eles a conhecem bem. Sabem que existe um vasto mundo lá fora.
Há mais trabalho do que ganho e eles sabem que têm direito aos benefícios do
mundo que borbulha no limiar das vaidades.
Ele
tem um violão. Daqueles dedos jorra memória e espírito. Nas noites desérticas,
o som baila ao seu redor e a voz do homem diz para Deus o que os distintos
citadinos mastigam e cospem. Os corações dos companheiros se constringem.
Meneiam a cabeça a cada verso. Elegia e protesto. Eles suspiram, descansam o
fardo do dia na comunhão da dor cujo peso é dividido entre todos.
Um
pequeno silêncio e o tocador serve algo mais luminoso. Os casais dançam, cantam
e batem palmas. Mais leves todos podem flutuar sobre a poeira. O lampião no
alpendre acompanha os movimentos com uma luz bruxuleante. Os sertanejos de
outras eras acordaram para compartilhar a alegria fugaz como o querosene que se
consome. Eles se sustentam nas sombras dos dançantes.
Madrugada.
Despedem-se ainda animados. Apertam a mão do tocador que com a outra segura o
violão. Eles estão gratos pelo momento. Esperam voltar num outro dia, após mais
uma jornada de trabalho no solo ingrato. Não sabem se ou quando colherão. Mas
sabem que com ou sem colheita, sempre terão a música. Para dividir a dor e as
incertezas. Para dançar com o passado e o presente. Sentem-se vivos.
O
tocador, vendo-se novamente sozinho, toca agora para si. Agora é seu momento.
Ele, o violão e a música.
A
imagem desse homem vive em minha mente quando penso no significado da música.
Em como e por que ela surgiu, primitiva e selvagem, e foi se tornando o desenho
da alma. Penso no sertanejo, no negro
americano entoando os primórdios do blues, no africano com suas percussões.
O
tocador é para mim o símbolo do poder que a música tem de representar tudo o
que é bom em nós. Quando ele afina seu violão lá num mundo errático dos meus
infinitos universos, eu aqui me ajusto à aridez das minhas frustrações,
tornando-me mais forte e capaz de escutar meu eu no futuro dizendo: “Não se
aflija. A chuva virá. Apenas plante”.
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