Há
uns treze anos atrás, quando no fim da adolescência eu definia meus objetivos
mais pelo que eu não queria ser, uma das coisas que mais me inspiravam era a
possibilidade de conhecer lugares novos. Eu andava por aí muito deslumbrado com
o número incrível de pessoas diferentes e com o fato de que Fortaleza é uma
cidade tão grande e diversa que os bairros eram quase como cidades pequenas
dentro de um território maior. De fato, devem existir países por aí mundo afora
que são até menores que Fortaleza. Eu quase me alimentava com essa ideia.
Um
belo dia eu saí pela casa caçando antigas listas telefônicas, arranquei as
folhas dos mapas e montei um caderno com eles. Eu tinha o objetivo de sair por
aí, sentar em algum banco de terminal, abrir meu pequeno atlas, apontar um
lugar na cidade em que eu nunca estivera e pegar o primeiro ônibus para lá. Daria
uma olhada ao redor, conversaria com as pessoas e depois talvez eu escrevesse
algo sobre elas com minha obsessão por registrar a vida que os governantes não
governam.
Eu
fiz isso umas duas vezes. Em uma delas, meu amigo Cabelo e eu rodamos de ônibus
por algumas horas e acabamos numa parada próxima ao Iguatemi no encalço de uma
garota que ele achou que lhe deu bola no ônibus. Lá lemos Florbela Espanca e
Alvares de Azevedo e da conversa saiu o nome da banda que estávamos montando.
Foi uma viagenzinha bem fajuta, mas a verdade é que logo descobrimos que meu
plano de reconhecimento de território não poderia acabar bem. A menos que eu
fosse invisível ou andasse com uma arma de intimidação altamente eficaz, não
havia maneira de voltar pra casa vivo de uma incursão nas entranhas do Bom
Jardim, por exemplo. O que é uma pena mesmo.
Não
demorou até que eu deixasse a ideia de lado, mas eu tive o caderno de mapas até
pouco tempo atrás. Não importava para onde eu fosse, sempre o levava na bolsa.
Quando comecei a dirigir, ele me salvou muitas vezes. Sempre tive um terrível
senso de direção e me perdia frequentemente. Um belo dia meu pai foi limpar o
carro e ele desapareceu.
Lembro
um dia em que eu estava no Dragão do Mar com um pessoal e tirei-o da bolsa,
fiquei um tempo ali, absorto, olhando algumas ruas, meio alheio ao que se
passava. Alguém do grupo me notou, um carinha de óculos e cabelo desgrenhado,
parecia que uma máquina do tempo o cuspiu dos primórdios dos anos noventa. “Que
é isso aí?”, perguntou. “Um caderno com os mapas das ruas de Fortaleza.”,
respondi. De alguma forma eu me sentia envergonhado por aquilo que notei ser
uma excentricidade aos olhos das pessoas que não me conheciam. Ele estranhou
aquilo e um dos meus amigos explicou o que era e pra que servia. O rapaz se
deteve um momento me olhando de forma ambígua. “Ei!”, exclamou ele como se
acordasse de uma profunda reflexão interior sobre algo completamente insólito
para sua concepção. “Tu é legal, ó!”, concluiu. Então fui eu que achei a coisa
excêntrica. Demorou até que eu interpretasse aquela reação como um elogio, mas
eu consegui dizer um tímido “valeu, aí...”. A noite foi bem louca e
infelizmente não pude mais conversar com o carinha.
Meu
caderno de mapas, assim como minha coleção de quadrinhos, meus diários e meus
livros era um símbolo que representava o modo como minha mente funcionava. Eu
não me sentia exatamente perdido. Mas precisava loucamente de algo que me
indicasse onde eu deveria ir. De tempos em tempos eu penso em sair por aí atrás
de listas e refazer meu trabalho.
Mas
desta vez, eu apenas paro, entro pelos corredores tortuosos da minha mente e
procuro as listas. Os mapas que coleto são mapas dos caminhos que eu tracei até
agora. Estou montando esse novo caderno, agora mais completo e sóbrio. Nele
estão representadas as ruas mais perigosas, os cantos mais escuros e os bairros
em que não se deve nem pensar em ir. Mas também estão ali aqueles lugares
maravilhosos, cheios de desafio e imensidão. Estão as trilhas para os templos
dos sábios, dos alfarrábios e das paragens serenas.
Para
esse novo caderno de mapas, precisarei ter muito mais coragem do que tive com o
primeiro. É que a maioria dos lugares indicados ali precisam ser visitados.
Mais que isso, conquistados. Alguns deles já estão sob meu domínio. Mas faltam
muitos ainda a desbravar.
No
caderno antigo eu fiz uma capa e nela escrevi com giz de cera: ”Cidade de Fortaleza”.
No capa deste novo escreverei: “Meu espírito”.
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