"E na hora mais
sombria/ Eu possuo as chamas secretas/Podemos observar o mundo devorado em sua
dor."- (THE BEGINNING IS THE END- Smashing Pumpkins)
Eu
ia para o trabalho. A pé como sempre.
Caminho
a maior parte do trajeto seguindo o longo muro do cemitério e a manhã impede
que nessa parte eu encontre muitas pessoas. Aí eu chego ao Centro. O cenário
muda completamente. As pessoas se espalham como um enxame do que você quiser
usar como comparação, qualquer animal que se reproduz vertiginosamente e invade
todos os lugares sem o menor escrúpulo.
Os sons são desconexos como você bem sabe, mas
então uma voz clama na multidão. O homem fala aos gritos. Discursa
veementemente e me faz corrigir a impressão inicial. É num deserto que ele
clama. A placa de papelão em seu peito o denuncia. Mais um profeta anunciando
algo sobre o fim. Eu paro compadecido e me perco no mesmo deserto. Tudo ao
redor silencia e só ouço agora sua voz que diz assim:
“Nas
ágoras o que eles discutiam não era sobre a gente. Nos grandes conselhos dos
reis do Velho Mundo eles também não falavam sobre a gente. Quando derrubaram os
déspotas, não foi pela gente.
Quando
as guerras pelas colônias explodiram, cresceram e viraram mães de guerras
menores e mais mortais, ainda não era sobre a gente.
Quando
eles brigam e se agridem, tomados de paixão e fúria nas assembleias, quando
brandem seus dedos e cospem nos microfones, não é por nada que envolva a gente.
Royalties
do petróleo, Comissão de Direitos Humanos, questões bioéticas. Licitação das
obras da copa, quem fornece o que para o sistema de saúde, quanto é repassado
para os municípios. Leis, medidas provisórias, emendas, decretos. Absolutamente
nada é sobre a gente.
De
dois em dois anos, cumprimos o dever de realizar nosso pequeno papel de
coadjuvante no divertido teatrinho de apertar botões e fingir que isso muda as
coisas. Não importa o quanto se pesquise, o quanto se saiba que eles são
limpos, sujos ou simplesmente não sejam aptos a nos representar. Eles não vão
nos representar. Uma ou outra vez uma boa intenção emerge do mar de demagogia.
Mas no final das contas...não é sobre a gente.
Crianças
ainda atravessam rios na madrugada para ir à escola. Elas dormem com brinquedos
e acordam com um baseado. Famílias esperam a morte vinda de uma montanha
molhada pela chuva. Homens e mulheres esqueceram que são filhos de Deus e
vasculham lixo para transformá-lo em vida. É isso o que deixamos o inimigo
fazer.
Alguns
de nós fechamos os olhos. Outros desviam o olhar. Os mais corajosos usam armas,
atiram pedras e coquetéis molotov. Davi e Golias, mas nesta versão, o Golias
esmaga a cabeça de Davi com uma maça de guerra.
Existem
duas verdades nisso tudo, irmãos. A primeira é que ainda não sabemos lutar.
Mesmo que tivéssemos coragem, lutar sem a necessidade de tiros é muito mais difícil,
porque exige disciplina e concordância entre os companheiros. Os companheiros
são humanos, então não.
A
segunda é que essa concordância deve ser a de não haver governo. NÃO HAVER
GOVERNO, IRMÃOS! Nenhum além da própria consciência de que precisamos um do
outro e que só podemos crescer juntos. De que numa árvore com muitos frutos eu
só poderei pegar mais de um se meu irmão também puder. Humanos, irmãos.
Humanos.
Essa
é a verdadeira evolução que funcionaria para nós. Isso é possível. É utópico. É
só um sonho. Mas é a única resposta. Temos um inimigo contra o qual não podemos
lutar porque o conhecemos pouco. O nome dele é política. E ele é sujo.
Então
esperem, meus amados. Devemos esperar e pensar. Um dia nós iremos descobrir o
jeito e a arma. Esse será o dia em que o sofrimento vai começar a fenecer. Será
o fim do dinheiro, dos governos e do controle. O fim deste mundo.”
O
homem encerrou a pregação. Retomei meu caminho, ele veio na direção oposta.
Quando se aproximou, pude ler o que havia escrito na placa. VIGIAI! O FIM ESTÁ
LONGE! Só então pude ver seu rosto mais claramente. Olhei fixamente para ele e
congelei. Aquele homem era...
2 comentários :
[...] O cara!
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