segunda-feira, 11 de março de 2013

E AGORA, GATINHO?!

"Sonho de Mil Gatos- Sandman"- Neil Gailman

Duas cenas. Uma real e outra fictícia. Não sei por que, mas essa semana, sob efeito de um anti-inflamatório forte que me deixou grogue, somado à minhas atuais preocupações profissionais e financeiras, eu ouvia Nick Drake deitado em minha rede numa madrugada e essas duas cenas me assaltaram.
De início, considerei mero delírio, mas à medida que elas foram se desenrolando segundo minhas lembranças incrivelmente ainda nítidas, percebi certa relação entre as duas.
A cena real era a lembrança de uma ocasião em que eu estava de viagem com minha esposa e meus cunhados. Estávamos arrumando nossas coisas quando fui à cozinha e percebi que no condomínio vizinho havia uma janela pequena aberta. Lá estava um gatinho que mal passava de um filhote e chorava muito. Tudo ok, se depois minha cunhada não tivesse chegado e revelado que provavelmente o gatinho estava preso lá há dias, pois nosso bloco de apartamentos era o único ocupado naquela temporada. Os donos devem ter ido embora e deixado o bichinho lá preso, com fome, sede e muito medo. Não adiantava nada ir lá. Portas trancadas, só os donos têm a chave.
E agora, gatinho?
Não teve jeito. Não adiantava explicar que tínhamos de arrombar a porta para tirar o bichano de lá, ou chamar os bombeiros. A briga seria feia. Ninguém ia se manifestar e acho que os bombeiros não iriam deixar de apagar incêndios para salvar gatos presos. Um defensor mais corajoso de animais teria ido arrombar a porta. Eu senti todo aquele desespero do gatinho. Mas o deixei lá.

"Watchmen"- Alan Moore
A cena fictícia vem de um dos maiores clássicos dos quadrinhos de todos os tempos. Ela apareceu quase imediatamente após eu deixar de lado a lembrança anterior: a desintegração do Dr. Jon Osterman no simulador de campo intrínseco em Watchmen, se não me engano no número 4, “O Relojoeiro”. O cientista prepara a experiência junto de seus colegas de trabalho na câmara que irá realizar uma espécie de fissão nuclear cronometrada. Ao sair da câmara ele percebe que esqueceu seu relógio de estimação e volta para apanhá-lo. Mas a câmara se fecha, pois é o momento exato da fissão. Ele fica lá trancado, sabendo que não poderá mais sair. Seus colegas nada podem fazer a não ser observá-lo pela escotilha e dar um último aceno de adeus e um “sinto muito, Jon”.
E agora, Jon Osterman?
Na vida real, dizem, os gatos têm nove vidas (apesar de em minha infância eu sempre ter participado do consenso de que eram apenas sete. De qualquer forma, os bichanos ainda estão no lucro). Se é verdade, o bichinho, de alguma forma miraculosa achou um jeito de sair da sua prisão sem ter de se espatifar no concreto. Embora minha imaginação seja pobre o bastante para bolar uma saída para ele, gosto de acreditar que ele conseguiu. Quanto ao bom doutor, Alan Moore fez o trabalho todo por mim e o presenteou com a capacidade de ter cada átomo do seu corpo controlado pela sua própria consciência, de modo que ele não só aprendeu a se reagrupar voluntariamente como ganhou controle sobre todas as partículas ao seu redor tornando-se um tipo de “deus” onipotente e onisciente.
Na vida real, nos momentos em que eu me pergunto “e agora?”, eu me pergunto como cheguei até ali. Se poderia ter evitado, se aquilo tudo vai mesmo valer a pena. As grandes mentes me ajudam a enxergar um pouco mais claramente que existe algo além do “agora”. Do grande apuro em que por vezes me vejo preso. E como eu não tenho sete nem nove vidas, ou partículas autoconscientes, eu apenas recorro a outro mestre dos quadrinhos e dou mais um passo.
“Acredite-me, Ângelo! Quando você está se afogando, você não pergunta a um tronco flutuando na água ‘...qual o seu tamanho?’”
“Mama mia! Jacob, o poeta!”
“Ora! Se sobrevivência é poesia, sim serei poeta!”
(Em Força da Vida, de Will Eisner).

"Força da Vida"- Will Eisner

2 comentários :

Psydomos disse...

Ed e sua força literária rodeada de ficção científica e deliciosa reflexão existencial. Bom saber que posso ter um pouco daquele Ed próximo de mim!

Saudades, amigo!

Parabéns pelos textos excelentes!

Psydomos disse...

Comentário Psydomos é Isabel Muniz