sábado, 6 de março de 2010

SICKO-SOS SAÚDE



SICKO, filme do polêmico documentarista americano Michael Moore, é uma crítica contundente e bem elaborada à realidade do serviço de saúde estadunidense. De maneira irreverente e beirando o humor negro, o sarcástico diretor nos conduz por um caminho através do qual podemos observar exemplos dentre as 250 milhões de pessoas que sofrem com as altas taxas dos planos de saúde que vampirizam seus orçamentos sendo essa a única alternativa para aqueles que podem arcar com esses custos pelo mínimo em atenção a saúde.Tratamentos quimioterápicos negados a pacientes com diagnósticos graves de câncer. Cirurgias urgentes descritas como procedimentos “desnecessários” ou experimentais. Contratos negados a pessoas obesas ou magras demais sob a alegação de terem potenciais doenças crônicas de alto custo. É a esse tipo de serviço de saúde que os americanos têm de se submeter. Nos Estados Unidos não existe um sistema unificado e universal de saúde. Praticamente todo o sistema é controlado pelas mega-empresas de seguros de saúde. Por meio de artimanhas políticas e malabarismos jurídicos, ao longo do tempo essas empresas foram angariando poder e influência na sociedade americana, o que constitui um enorme contraste, tendo em vista que o país é uma das maiores potências econômicas do mundo possuindo inúmeros recursos característicos de países desenvolvidos como excelente sistema de correios, escola grátis para todas as crianças, polícia e bombeiros bem treinados. Moore questiona os motivos pelos quais não há um sistema de saúde socializado se tantos outros serviços o são.Ele se baseia nas evidências claras de manipulação dos grandes empresários desse grande e lucrativo mercado nas políticas sociais, prática que não é nova, mas que ainda é forte. Grande parte dos congressistas possui ligações com as seguradoras, o que se traduz em um contínuo esforço do Poder Legislativo em arquitetar estratégias legais que resultam nas facilidades de atuação das empresas e Moore nos mostra que isso tudo acontece de uma maneira não muito sutil.Hillary Clinton desde a década de noventa, quando era então Primeira-dama, foi militante a favor da criação de um sistema de saúde socializado. Hoje, pouco mais de uma década após sua incursão em campanhas e projetos que apoiavam essa causa, é uma das maiores beneficiadas pelos lucros de empresas de planos de saúde tendo abandonado seus ideais.Aliado a isso, as concepções arcaicas que caracterizam a mentalidade dos norte-americanos é alimentada com idéias anti-comunistas remanescente do pós-guerra, resquício anacrônico do macartismo, corrente reacionária anti-socialista que ascendeu com o início da Guerra Fria. A idéia de que uma saúde universal e igualitária é sinônimo de má qualidade é refutada por Moore quando este faz uma peregrinação por vários países como França, Inglaterra e Canadá e mostra que o grau de satisfação de clientes e profissionais revela o exato oposto.Colocar em cheque essas idéias proporcionou ao filme um dos momentos mais hilários e também emocionantes. O diretor reuniu um conjunto de pessoas que atuaram nos resgates às vítimas do 11 de Setembro e que, por exposição ao ambiente hostil da tragédia, hoje sofrem com problemas de saúde e vivem em pobreza e humilhação com doenças pulmonares,distúrbios psíquicos e outros tipos de invalidez sem a ajuda do governo à mercê dos planos de saúde. Levado pelas informações de que na prisão militar de Guantânamo os terroristas responsáveis pelos atentados recebem tratamento médico gratuito e de qualidade, Moore embarcou numa viagem clandestina à Cuba. Sendo mal recebidos pelas autoridades responsáveis pelo território americano em Guantânamo, decidiram passar por Havana e atestar que um país violentado pelo severo embargo econômico imposto pelos EUA, apesar de socialista e retrógrado, é capaz de prover o povo de um serviço médico moderno, bem estruturado, universal, gratuito e baseado em atenção primária.Fazendo uma análise e uma comparação da situação da saúde nos EUA com a nossa, podemos colocar algumas observações úteis às reflexões quanto ao que se deva pensar de um sistema de saúde eficiente. Conhecendo a forma como o governo americano encara a participação do Estado no contexto das necessidades de saúde do povo, pode-se considerar que nosso SUS deva ser concebido como um sistema teoricamente ideal, ou no mínimo de qualidade e princípios norteadores superiores aos daquela nação. Na prática, considerando o fato de que há em nosso país na verdade um regime híbrido entre o privatista e o estatal, percebe-se facilmente que a influência do primeiro marca importante presença no que diz respeito às facilidades que um sistema unificado oferece. Haja visto o sucateamento das unidades e o pouco e deficiente repasse das verbas estipuladas do Governo Federal aos municípios devido à burocracia, maus planejamentos e aos desvios. Tudo isso favorece, aqui no Brasil, o crescimento de grupos semelhantes àqueles que detêm o “mercado da saúde” em solo americano provocando uma situação que não difere muito da que passam as pessoas daquele país: quem tem dinheiro tem direito à saúde, quem não tem espera por milagres.É certo que o SUS nos trouxe inúmeros avanços sociais desde sua criação, bem percebidos quando se avalia comparativamente os indicadores de saúde de hoje com os de épocas em que o sistema não existia. Porém, SICKO pode nos levar ainda a uma outra reflexão: como um país em crescimento e com tantas riquezas como o Brasil não é capaz de fazer um sistema de saúde tecnicamente bem elaborado a desenvolver todo seu potencial?

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